quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Travessia

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Em época de verão, a mata era fechada, com folhagens verdes e amarronzadas. Algumas, secas, outras nem tanto. Neste caminho, tinha uma casa velha de engenho. E atrás do açude, se formava um baixio, onde ficava o pé de goiaba. Quando a gente estava voltando pra casa, passamos por ali, e chamei a Josileide:


- Vamos tirar goiaba? Ah, como eu gosto de goiaba, Josileide.


- Ó, neguinha, tu sobe e joga as goiabas, e eu cato.


Por um instante, lá de cima do pé, olhei para aquela casa velha, vi ali as fornalhas com o borralho dentro. Tudo muito escuro. O meu corpo se arrepiou todinho. Fiz o sinal da cruz “Cruz credo”. Foi quando a Josileide gritou


- Ó neguinha, já chega de goiaba!


Olhei pra baixo, e ela tava lá, acocada, colocando as frutas no colo do vestido. E eu de lá olhando a posição que ela estava pondo as goiabas, eu simplesmente me acoquei e mijei em cima dela. Quando caíram os primeiros pingos na cabeça dela, pense numa pessoa enfurecida!


- Sua cachorra! Sua égua, sua condenada!


Ela sapecou as goiabas n’eu com tanta força e com tanta raiva, que fazia “zum! zum!” no meu ouvido. Ela balançava o pé de goiaba pra ver se eu caía. Por sorte, nenhuma chegou a pegar em mim. Se tivesse pegado, eu tinha caído de lá feito uma goiaba podre.


- Sua gasguita! Sua fubica, sua lombriga!


Eu desviava no meio das galhas, e gritava:


- Neguinha, não me mate. Deixa eu descer!


- Eu vou é te dar uma surra aí em cima!


Ela começou a subir no pé de goiaba, e eu me vi sem saída. Mas desci pelas galhas, e corri em direção de uma vereda que dava pr’aquela mata fechada.


Ela gritava “Venha cá, sua nojenta! Dessa você não vai escapar não, sua bixa ruim”. E foi embora. Ali, me vi sozinha, e o medo tomou conta de mim. Não sabia se era de levar uma surra da Josileide, ou da escuridão da mata, ou da velha casa. Tive que voltar na goiabeira, pegar a cuia com os coeiros, e voltar sozinha para casa.


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Quando a boiada passa

“Adeus vaca Manga Rosa, Estelina e vaidosa
Adeus a vaca Amorosa e a vaca Maracanã
Adeus a vaca Roseira, Espertinha e Neblineira
Adeus a vaca Palmeira, que vou embora amanhã”.


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Quantas vezes meu pai levou o gado pras Mareta, pro Transual... Vez por mês ele voltava lá pra ver se não tinha gado doente ou vaca de bezerro. Às vezes alguma vaca dava cria e papai voltava com ela pra dar alimentação, esgotar o ubre e cuidar do umbigo do bezerrinho. Ele vinha aboiando e tocando a vaca com seu bezerrinho pela estrada. Chegando perto de casa, a gente ouvia o barulho do trote e o aboio do papai tocando a rês em direção de casa, e corria pra avisar a mamãe. Ela gritava a gente:

- Menino, abre a porteira do curral! Teu pai tá chegando, caminha, caminha!

E a gente corria pra cima do alpendre pra ver ele chegar. Quando avistava papai, a felicidade era grande! Junto com ele, vinha a vaca com sua cria. O bezerrinho parava no terreiro, escramuçava, e saía correndo atrás da mãe. Papai chegava em casa e, quando ele chamava, a gente já se tremia todinho... Ele ia dizendo:

- Menino, preste atenção, vê se esse umbigo num tá cum bixera! Vê se num passô nenhum garrancho...

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